Guerreira do Vale

Paralisia aos dois meses e um tumor na mandíbula aos 24 anos são apenas duas das diversas batalhas vencidas pela agrônoma Essione Ribeiro

Por Alana Fraga, de Juazeiro (BA)

Com voz firme e sotaque baiano, Essione Ribeiro possui a resiliência típica da mulher sertaneja. Aos 42 anos, ela coleciona vitórias em diversas e difíceis batalhas da vida. Engenheira Agrônoma por formação, com doutorado em horticultura, é dona do seu próprio nariz, como costuma-se dizer a quem decide trilhar os caminhos do empreendedorismo. Essione fundou uma empresa de consultoria e análises bioquímicas, que atende grandes  multinacionais ligadas ao agro no Brasil e na América do Sul.

O Laboratório Arabidopsis, que atende empresas do polo de fruticultura do Vale do São Francisco, começou em 2014 com faturamento anual tímido, de R$ 45 mil, e fechou 2019 com receita de R$ 1,2 milhão.

No rosto, Essione traz a marca de início de sua dura jornada até aqui. Com dois meses de vida, ela sofreu uma paralisia facial. “Perdi o movimento das pernas e dos braços. Fiz fisioterapia dos dois meses até os 12 anos  de idade” , conta, destacando que isso só foi possível graças à ajuda  de terceiros para levá-la ao tratamento, que a permitiu recuperar os movimentos  do corpo  e da face.

Filha de uma guerreira que acumulava trabalhos para sustentar a família, Essione viu o pai abandonar a mãe  e os nove irmãos aos 2 anos de idade e não se esquece  da cena do pai  indo embora de casa na calada da noite.

Por causa das limitações físicas e financeiras da família, Essione só conseguiu se alfabetizar aos 11 anos de idade e, ainda no meio do caminho, ouviu do padrasto com quem a mãe acabou se casando mais tarde que teria de abrir mão dos estudos. Ao lembrar do momento em que precisou enfrentar  e questionar a mãe, a voz da empresária embarga. 

“E agora? O que vou fazer se eu não estudar”, disse ela à mãe. Vendo o apelo da filha para continuar estudando, a mãe de Essione pediu, pessoalmente, ao dono  de uma empresa de ônibus que não cobrasse pelo transporte da filha e assim ela pudesse ir à escola. Quando mal sabia ler e escrever direito, a menina encontrou em sua primeira missão escolar uma vocação. A tarefa foi cuidar  de uma planta. “Ela (a professora) disse que a forma como gente cuidava  dessa planta era a mesma forma como cuidávamos da escola. Foi uma professora que me ensinou a ser humana”, recorda-se.

Até chegar ao doutorado, outros obstáculos foram superados pela empresária. A aprovação no curso superior  na Universidade Estadual da Bahia (Uneb), no campus de  Juazeiro, aos 24 anos, veio ao mesmo tempo que o diagnóstico de tumor na mandíbula. Pela segunda vez em sua vida, Essione ouviu de um médico que estava condenada à morte. “Ela (a médica) me mostrou a tomografia e disse: “Isto aqui é sua morte. Você pode morrer a qualquer momento”, lembra. Nessa hora, a única pergunta de Essione foi: “eu só tenho essa opção de morrer ou tenho alguma opção de sobreviver?” Na época, o caso de Essione era o quinto do país e não havia tratamento pelo Sistema Único de Saúde (SUS). A sua mãe vendeu o pedaço de terra que possuía e a família fez empréstimos para pagar a cirurgia.

Um ano depois, Essione iniciou a faculdade. “Foi uma luta”, lembra ela, que se manteve na cidade enquanto estudava com uma bolsa de iniciação científica de R$ 350,00 por mês, durante quatro anos e meio de graduação. Emendou em seguida o mestrado e o doutorado. “Aí começou a minha outra luta. Quando passei no doutorado, não tinha bolsa de estudo e nem dinheiro para me manter. Mas a gente vai pela ousadia”, conta, rindo.

Quando passei no doutorado, não tinha bolsa de estudo e nem dinheiro para me manter. Mas a gente vai pela ousadia”

Graças aos contatos que seu orientador tinha com grandes empresas, Essione conseguiu uma bolsa num laboratório de pesquisa de análises de Botucatu (SP). Dentro desse laboratório, além de conseguir se manter pelo período do doutorado, encontrou aquele que seria o seu negócio quando terminasse o título. “Eu montava protocolos em campo, para pesquisa de eficiência agronômica, testes de resíduos de moléculas químicas”, explica. Ao retornar para Juazeiro (BA), no polo de fruticultura do Vale do São Francisco, Essione descobriu que havia demanda, mas não existia um laboratório para esse tipo de análise na região. “Eu peguei a ideia dele e transformei em análise bioquímica, para prestar serviços aos produtores. Foi quando montei a empresa, em 2014, ao terminar o doutorado”, explica.

As multinacionais logo se interessaram pelo trabalho da agrônoma. Neste ano, Essione inaugurou um novo laboratório – de fitopatologia – para ampliar ainda mais suas análises. E mais importante do que isso: continuar dando à sua mãe “a vida de rainha que ela tanto merece”.